segunda-feira, março 08, 2021

 ENTREVISTA

Luciano Borges Rocha 

"A doença já faz um ano, e não conseguiríamos viver em família mantendo distanciamento físico entre nós."


"...A doença já faz um ano, e não conseguiríamos viver em família mantendo distanciamento físico entre nós."


O POVO Capixaba conversou com o médico anestesista e intensivista Luciano Borges Rocha, coordenador da UTI Covid do Hospital Silvio Avidos de Colatina. Na pauta, entre outros, a pandemia do Coronavírus e seus desdobramentos entre os profissionais da saúde, a preocupação diuturna com a iminente contaminação pelo Covid-19 e os cuidados na prevenção da doença, que só em terras brasileiras já ceifou a vida de mais de 240 mil pessoas entre os mais de dez milhões de contaminados.  

Natural de Aimorés, região leste de Minas Gerais, Dr. Luciano formou-se em medicina em 1996 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG), com residência médica em anestesiologia, dor e terapia intensiva pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Casado com dona Larissa, pai das meninas Laura e Lis, gentilmente, ele tirou um tempo de dentro da sua atribulada agenda para atender O POVO Capixaba para esta entrevista, via redes sociais.

 

O POVO Capixaba – De maneira geral, a pandemia do Covid-19 e seus desdobramentos são abordados pelo viés do paciente no que diz respeito à prevenção, tratamento, estatísticas etc. Como os profissionais da saúde, particularmente os médicos, convivem com a rotina do tratamento da doença, a expectativa da descoberta total da cura pela ciência e, ao mesmo tempo, a preocupação com a iminente contaminação pelo Coronavírus?

Luciano Rocha – Muitos profissionais já se contaminaram com o Covid-19 e infelizmente alguns perderam a vida...Tem havido uma produção colossal de pesquisas. As informações, muitas vezes, têm chegado às redes sociais antes mesmo de serem publicadas nas revistas científicas, sem passar pela avaliação de comitês científicos dos periódicos médicos. Há uma enormidade de opiniões a respeito da doença, mas, optamos por seguir diretrizes estabelecidas.

O POVO Capixaba – Em casa, o procedimento protocolar para evitar a contaminação pelo Covid-19 é o mesmo que o observado pelas pessoas que não trabalham no setor de saúde? A preocupação com a doença obrigou a alguma medida que poderia ser definida como “radical” com relação à segurança da família?

Luciano Rocha – Dentro dos setores Covid usamos equipamentos de proteção individual específicos, mas os cuidados gerais em casa, ainda que importantes, não se diferenciam do protocolo de prevenção comum a todos. No mais, precisamos ser realistas e lembrar que a doença já faz um ano, e não conseguiríamos viver em família mantendo distanciamento físico entre nós.

O POVO Capixaba – Ao seu ver, até que ponto as questões ideológicas têm influenciado na condução das políticas de combate à pandemia pelo governo federal, sobretudo em contraponto as iniciativas e estratégias dos governos estaduais e municipais no combate ao Coronavírus?

Luciano Rocha – Pela Constituição Federal, as responsabilidades com a saúde pública são compartilhadas entre os governos municipal, estadual e federal (modelo tripartite). Todas as esferas devem conhecer suas funções e limitações neste ordenamento. Observo que as questões ideológicas algumas vezes sobrepõem aos interesses coletivos, não só pelo governo federal, mas também há manipulação nas esferas estadual e municipal em diversas regiões do País. Necessitamos de órgãos fiscalizadores sérios, independentes, que possam exigir o cumprimento da lei dos gestores sem vinculação a qualquer ideologia ou partido político.

O POVO Capixaba – No entanto, o critério ideológico não é raro para pautar a relação médico-paciente. Há casos registrados de profissionais que se recusaram a atender pacientes com vínculo a partidos de esquerda, por exemplo.  

Luciano Rocha – A abordagem médica do paciente com Covid-19 precisa ser desvinculada das ideologias de grupos de esquerda e de direita da política partidária. Os órgãos fiscalizadores precisam exigir dos gestores federal, estaduais e municipais o cumprimento de suas obrigações. As diretrizes para o tratamento devem ser apoiadas em estudos cientificamente honestos. Estamos na torcida por dias melhores; que venham logo.

"Observo que as questões ideológicas, algumas vezes, se sobrepõem aos interesses coletivos".


 

O POVO Capixaba – Apesar do número impressionante de contaminados, segundo os índices oficiais, e dos óbitos decorrentes da pandemia, muitas pessoas consideram exageradas ou mesmo infundadas as recomendações para que se previnam da contaminação do Covid-19 com o uso de máscara, álcool em gel e distância de aglomerações. O que o senhor diria sobre a doença àquelas pessoas conhecidas como “negacionistas”, sobretudo com a autoridade de quem convive tão próximo e rotineiramente desse drama?

Luciano Rocha – A doença é uma realidade e tem ceifado muitas vidas. As orientações do uso de álcool, máscara e o distanciamento social são necessárias para conter, em alguma medida, a sobrecarga no sistema de saúde, que antes da pandemia já tinha sobrecarga de leito e estrutura. Mas sabemos que essa orientação não é factível por um tempo estendido para a população. Não neguemos a doença nem as consequências econômicas advindas da dela.

O POVO Capixaba – A vacinação contra o Coronavírus no Brasil ainda segue lenta, e segundo dados de organismos internacionais o País só alcançará a vacinação em massa em meados de 2022, ao contrário de outros países mais desenvolvidos, adiantados no trabalho de prevenção e erradicação da doença, que já em 2021 terão conseguido vacinar em massa a sua população. Até que ponto preocupa essa lentidão e a perspectiva de conviver por mais tanto tempo profissionalmente com a pandemia?

Luciano Rocha – Certamente haverá outras ondas da doença; espera-se que mais abrandadas à medida que a imunização em massa ocorra mundialmente. O Brasil tem expertise em vacinação, mas o grande gargalo para todos os países é a produção em escala para atingir a “imunidade de rebanho” (quando boa parte da população estiver protegida) no menor tempo possível.

O POVO Capixaba – Um familiar de paciente internado na UTI Covid do Hospital Silvio Avidos relatou ao O POVO Capixaba que por duas vezes a Central de Vagas da Secretaria Estadual de Saúde (SESA) requisitou sua transferência; uma vez para a Grande Vitória e outra para Baixo Guandu. Ainda segundo o relato, os familiares do doente, que mora a menos de 100 metros do HSA, foram ameaçados por uma assistente social de serem responsabilizados pela vida do paciente para o qual a Central buscava a vaga, caso não autorizassem a transferência. Afinal, qual o critério usado pelos médicos para o remanejamento de internados para locais tão distantes de onde moram?

Luciano Rocha – Não conheço o caso específico, mas o Hospital Silvio Avidos é uma instituição com o pronto socorro aberto a todos, ou seja, não há necessidade de requerimento de vaga para o paciente entrar no hospital pelo Pronto Socorro, com risco de superlotação. Assim, por uma estratégia da SESA, e não dos médicos assistentes, há um setor que faz o gerenciamento dos leitos (vagas) em todo estado.

O POVO Capixaba – Após a cura, o paciente poderá voltar a ter uma vida considerada normal ou terá de passar por procedimentos específicos perenes para manter uma vida saudável?

Luciano Rocha – O Covid-19 é uma doença com uma diversidade de apresentações, assim como também não é possível classificar todo paciente pós-Covid em uma categoria apenas. Porém, a maioria volta a uma vida considerada normal.

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